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“Tem mercado para todo o mundo, e ainda assim vai faltar hidrogênio verde. A demanda é muito maior que a oferta.” Foi com essas palavras que André Magalhães, diretor comercial do porto do Pecém, no Ceará, definiu a semana de encontros com potenciais compradores desse produto na Alemanha.
O executivo conta que conversou com quase 50 interessados, em reuniões nas cidades de Berlim, Hamburgo, Stuttgart e Essen, durante uma caravana organizada por órgãos do governo e entidades empresariais alemãs. Entre os participantes, também estiveram representantes da Petrobras e da Eletrobras.
Os alemães mostraram todas as vantagens que podem oferecer para quem garantir a entrega de hidrogênio verde e amônia verde. Os produtos levam esse nome por serem feitos sem nenhum componente à base de petróleo, apenas renováveis.
Magalhães fez questão de levar números de consultorias internacionais para ratificar a vantagem do Nordeste brasileiro.
Um deles era o estudo feito pela empresa de pesquisas BloombergNEF, apontando que as condições climáticas dessa parte do Brasil para a produção de energia solar e eólica são tão acima da média global que contribuirão para baratear o preço do hidrogênio fabricado na região.
Velocidade e constância dos ventos, além da qualidade da incidência de sol, fazem com que a geração de energia seja mais eficiente nessa parte do mundo.
A estimativa é que o Nordeste será capaz de produzir o hidrogênio a US$ 1,45 até 2030 e levar o preço a US$ 0,55 até 2050. Seria o hidrogênio verde mais barato do mundo.
O combustível é considerado competitivo com o quilo abaixo de US$ 3, valor que não é praticado atualmente. O quilo do produto custa entre US$ 7 e US$ 10.
No primeiro leilão de hidrogênio verde do bloco europeu, lançado no final do ano passado pela Comissão Europeia, o preço-teto para entrega em cinco anos foi fixado em € 4,50 por quilo (US$ 4,91), mas os empreendedores também receberão subsídios por dez anos, o que eleva o ganho final do fornecedor.
No Brasil, o extremo da região Nordeste conta com três projetos de hidrogênio verde para exportação numa primeira fase, mas que já tentam atrair também indústrias brasileira e estrangeiras.
O hub de hidrogênio de Pecém tem quatro pré-contratos. Fortescue, AES, Casa dos Ventos e FRV são empresas que já estão pagando pela área e fazendo estudos de engenharia. A fonte hídrica é água de esgoto tratada de Fortaleza. A meta é iniciar os embarques em 2027. A porta de entrada na Europa será o porto de Roterdã, na Holanda.
No Piauí, a produção vai se concentrar na ZPE (Zona de Processamento de Exportação) de Parnaíba, no litoral, com escoamento inicialmente pelo porto de Luís Correia. Duas empresas já oficializaram interesse em se instalar, a GEP (Green Energy Park), da Croácia, e a Solatio, da Espanha.
A GEP, por exemplo, prevê a produção de 10 GW (gigawatts) equivalentes de hidrogênio e de amônia verdes a partir da água do rio Parnaíba. Os produtos serão enviados para a ilha de Krk, na Croácia, seguindo para abastecer indústrias no sudeste da Europa.
“Nossos investidores são muito qualificados, comprometidos e têm apoio da UE para esse projeto no Brasil”, afirma Nathalia Ervedosa, diretora de assuntos comerciais na União Europeia da Investe PI, que representou a GPE na caravana de investidores.
O projeto no Piauí mereceu até citação da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
“Aqui na Semana do Hidrogênio, iniciativas novas e entusiasmantes verão a luz e serão discutidas. Com o Cazaquistão, a Austrália e Omã. E juntamente com o Presidente Lula do Brasil, anunciamos o apoio da União Europeia para construir uma das maiores centrais de hidrogênio do mundo, no estado brasileiro do Piauí, e faz parte de um investimento de 2 bilhões de euros do Global Gateway na cadeia de valor do hidrogênio no Brasil”, afirmou Leyen quando o investimento foi anunciado em novembro de 2023.
Há outro projeto para exportação de hidrogênio em fase inicial de implantação. Fica em Grão Pará, no Maranhão. Já conta com apoio de empresas alemãs, a operadora ferroviária DB (Deutsche Bahn) e a fabricante de equipamentos Siemens. A meta é fazer os embarques pelo terminal portuário de Alcântara, com suporte de uma estrutura de logística que inclui ferrovia.
A União Europeia tem uma meta ambiciosa em relação à cadeia de hidrogênio verde. Até 2030, quer montar uma estrutura para produzir 10 milhões de toneladas do combustível e seus correlatos, além de importar outros 10 milhões de toneladas. Para ter uma dimensão do que significa esse volume, hoje a produção local está na casa de 20 mil toneladas.
O hidrogênio e a amônia verdes serão utilizados não apenas como matéria-prima para produtos como biofertilizantes mas principalmente como fonte de energia, permitindo que o continente reduza o uso de fontes fósseis como carvão mineral e gás natural, e passe a ter produtos 100% verdes. É uma substituição organizada e estratégica, acompanhada de perto pelos governos locais.
A caravana de brasileiros, por exemplo, foi organizada pela AHK Rio (Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha) e pela GIZ (Sociedade Alemã para Cooperação Internacional), mas seu escopo é bem mais amplo.
Estava inserida como parte do H2Uppp (Programa Internacional de Aumento do Hidrogênio), uma das iniciativas que compõem a Estratégia Nacional para o Hidrogênio, tocada pelo Ministério Federal dos Assuntos Econômicos e Ação Climática, mas trabalhada em todas as áreas do governo.
Propositadamente, as visitas foram agendadas como atividade paralela ao BETD24 (10º Diálogo de Transição Energética de Berlim), evento que transformou o país em referência nos debates de alternativas aos combustíveis fósseis. O encontro atrai representante de empresas e países da área de energia do mundo todo à capital alemã.
O fio condutor das discussões ali sinaliza para onde estão indo os interesses econômicos locais.
Falou-se muito em como acelerar o fim do uso do carvão e dos combustíveis à base de petróleo, bem como sobre a possibilidade de ampliar a adoção de biometano, SAF (sigla em inglês para combustível sustentável de aviação) e metanol verde para embarcações. Mas de longe o tema mais esmiuçado foi o hidrogênio verde e os desafios associados à sua adoção.
Etanol, por exemplo, que é um produto utilizado em larga escala para abastecer carros e produzir eletricidade no Brasil, é visto na Europa como um transportador de hidrogênio verde. Importa-se o combustível apenas para retirar dele as moléculas.
Um dos principais argumentos adotados em defesa do hidrogênio verde é de caráter social. Os representantes dos governos locais afirmam que os investimentos europeus nos países emergentes vão dinamizar a economia e a geração de empregos.
“As alianças vão permitir que a gente compartilhe benefícios”, afirmou Bärbel Kofler, comissária do Governo Federal da Alemanha para Política de Direitos Humanos e Assistência Humanitária, para quem projetos no Brasil e no Marrocos servem de exemplo para a política do ganha-ganha que pode ser implementada a partir da expansão do hidrogênio.
Não há consenso, no entanto, se haverá mesmo combate às desigualdades. Muitos temem que a exportação de hidrogênio verde e seus produtos seja uma nova alternativa para preservar o modelo em que países emergentes fornecem matérias-primas para os desenvolvidos se manterem na linha de frente da geração de novas tecnologias e, agora, da fabricação de produtos sustentáveis.
Em sua participação no BETD24, durante o painel que reuniu representantes da América Latina e Caribe, a posição do Brasil foi expressa por Rodrigo Rollemberg, secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços).
“Podemos fornecer hidrogênio verde, mas também precisamos de investimentos, selo verde reconhecido pelos europeus e mercado aqui para produtos das nossas indústrias”, afirmou Rollemberg, que foi aplaudido pela plateia numa demonstração de que as relações comerciais desse novo mercado ainda precisam ser construídas.
Fonte: Folha de S. Paulo | Foto: Divulgação/Qair Brasil
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