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Por Luis Claudio Viga
O atual cenário global de alerta sobre as mudanças climáticas tem reforçado a necessidade de um amplo e urgente processo de descarbonização e transição energética, contexto no qual o hidrogênio verde, produzido por meio da eletrólise da água utilizando fontes renováveis, tem se destacado como uma promissora indústria que produz energia alternativa, limpa e de alta eficiência.
Por seu potencial diverso de uso, seja como combustível ou como matéria-prima para indústrias de aço, fertilizantes, cimento e outros, o H2V, como é conhecido, não apenas representa a oportunidade de uma significativa redução das emissões de carbono e, consequentemente, de uma economia mais sustentável, como também faz parte do planejamento estratégico e de soberania de muitos governos, por ser um importante elemento para a diversificação de suas matrizes energéticas.
Com tamanha relevância, é mais do que justificado o interesse de tantos países na corrida pelo hidrogênio verde, onde o vencedor irá colher os frutos pela liderança da transição energética global.
Potencial do Nordeste
No Brasil, há interesse por esta indústria em várias regiões. Porém, dentre as mais interessadas no H2V, destaca-se o Nordeste, tanto por sua alta capacidade, instalada e potencial, de geração de energia solar e eólica quanto pelos portos localizados de maneira estratégica em relação aos mercados estrangeiros.
Bahia, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte já possuem projetos anunciados na área, mas é o Ceará que lidera a corrida nacional com o Hub de Hidrogênio Verde, projeto do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), lançado em 2021 em parceria com a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC) e a Universidade Federal do Ceará (UFC).
Entre os diferenciais do Complexo estão sua localização geográfica, conectado às rotas marítimas mais rápidas para a Europa, Estados Unidos e Norte da África, sua parceria com o Porto de Roterdã, principal Hub de Hidrogênio na Europa, sua proximidade com o mercado consumidor europeu, e sua área industrial, que inclui a Zona de Processamento de Exportação mais madura em operação no Brasil. Diante de tamanho potencial, o Complexo de Pecém se tornou objeto de interesse de diversas empresas, entre elas a Fortescue.
Com investimento de até US$ 5 bilhões, o projeto da Fortescue, o primeiro a receber licença prévia no Ceará, como resultado do estudo de impacto ambiental, produzirá H2V e seus derivados ao mercado interno e externo, integrando toda uma cadeia industrial e apoiando o processo de descarbonização do Brasil, além de contribuir de maneira significativa para o desenvolvimento socioeconômico da região através da geração de 5 mil empregos durante sua implementação.
Tendo em vista o processo de produção do H2V, o Brasil possui outras fortes vantagens competitivas, para além da estrutura e características do Porto do Pecém. Com mais de 90% da matriz energética total renovável verificada nos últimos anos, o Brasil é o terceiro país em capacidade instalada de energia renovável no mundo, atrás apenas de EUA e China.
Além disso, o país possui um sistema integrado nacional que garante energia contínua e em longas distâncias e um extenso conhecimento sobre o tema, seja na produção de parques, comercialização ou sistemas de certificação confiáveis.
Diante dos aspectos acima mencionados, fica evidente que o Brasil ocupa uma posição bastante favorável na corrida pelo H2V. Entretanto, essa vantagem pode acabar dentro de alguns anos, uma vez que outros países, como EUA, Arábia Saudita e Chile, têm investido cada vez mais na limpeza de sua matriz energética.
Exemplo internacional
Os EUA, um dos grandes investidores da indústria do H2V, têm oferecido incentivos fiscais significativos para projetos de energia limpa, incluindo o hidrogênio verde, através do Inflation Reduction Act (IRA) e do Infrastructure Investment and Jobs Act (IIJA).
O IRA, assinado em 2022, contempla um pacote de gastos de US$ 360 bilhões em energia e clima, com incentivos que podem chegar a até US$ 3 por quilo de hidrogênio produzido. Já o IIJA, assinado em 2021, autoriza US$ 1,2 trilhão para gastos em transporte e infraestrutura, sendo US$ 9,5 bilhões destinados a projetos de produção e utilização de hidrogênio em todo o país.
Considerando as movimentações realizadas por outras nações, fica claro que o contexto atual de vantagem brasileira é bastante circunstancial e temporário – o país começou à frente de todos na largada, mas pode ser alcançado por outros países.
Assim, é crucial que o Brasil compreenda que, para manter sua competitividade, além de suas vantagens estruturais, precisa oferecer à indústria outros elementos de apoio, como um ambiente jurídico favorável, com regulamentação clara para o setor, principalmente políticas de incentivo, fomento e estímulo à demanda interna e investimentos em P&D.
Desperdiçar essa vantagem por conta da inatividade significa ficar para trás na neoindustrialização e sofrer entraves e taxações na comercialização internacional de diversos produtos de destaque.
O ano de 2024 tem (quase) todas as condições para ser o ano do hidrogênio verde no Brasil. Resta saber se o país fará o necessário para aproveitar a oportunidade de liderar essa corrida.
Luis Claudio Viga é Country Manager da Fortescue no Brasil
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