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Helson Braga | 12/05/2023
Presidente da ABRAZPE
No início deste mês, a Folha de São Paulo recolocou o tema das Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) no debate econômico, agora no contexto das preocupações com a reindustrialização da economia brasileira e com a possibilidade de ingresso de investidores chineses. Para isso, o jornal ouviu “players” com diferentes visões sobre essas questões. As opiniões expressas pelos entrevistados abrem uma excelente oportunidade para fixar alguns fatos e implicações da implantação de ZPEs no Brasil.
Seguem algumas das afirmações colhidas e relatadas pelo jornal, seguidas de breve comentário:
a) “Grandes indústrias ligadas à CNI tentam evitar que o governo Lula abra caminho para que grupos chineses se instalem no país com isenção tributária nas ZPEs.”
O regime das ZPEs (Lei 11.508/2007) está disponível tanto para empresas nacionais como estrangeiras (chinesas ou de qualquer origem). Não há nada específico ou direcionado para empresas chinesas. As ZPEs estão abertas para qualquer empresa que queira produzir e gerar empregos aqui. Há um certo consenso de que isso é desejável, exceto, talvez, para aqueles tomados pela paranóia do potencial competitivo das empresas chinesas.
Não é verdade que as empresas instaladas nas ZPEs (sejam chinesas ou marcianas) se instalam com isenção tributária. As empresas em ZPE pagam imposto de renda (tributo direto) como qualquer outra, não importa se estejam instaladas na ZPE de Pecém/CE ou na Avenida Paulista. Quanto aos tributos indiretos (IPI, ICMS, PIS, COFINS, II, AFRMM), eles são isentos nas exportações não pelo fato de as empresas estarem localizadas em ZPE, mas porque essas operações gozam de imunidade constitucional, que independe de onde a empresa esteja instalada. Mas são pagos integralmente, inclusive com acréscimo de uma multa (questionável) nas vendas no mercado interno.
b) “Essas áreas oferecem isenção de impostos nas vendas externas. Também permitem que as divisas das operações de compra e venda fiquem depositadas fora do país como forma de garantir que não sofram com a eventual desvalorização do real”.
Qualquer empresa pode deixar as divisas obtidas por suas exportações em instituições financeiras no exterior, com base em uma resolução do CMN. A única diferença que existe da situação na ZPE é que essa faculdade é assegurada um uma lei (e não uma mera resolução) e garantida por 20 anos. Isso significa estabilidade das “regras do jogo”, que costuma ser uma condição normalmente reclamada pelos empresários.
E isso não tem nada a ver com “eventual desvalorização do real”. Tem a ver com a administração do fluxo de caixa da empresa, ao lhe permitir escolher o melhor momento para internar divisas.
c) “As ZPEs se instalam em áreas que conseguem ainda incentivos estaduais de ICMS – o que torna a operação mais competitiva”.
Não existem incentivos de ICMS que não estejam disponíveis para empresas fora das ZPEs. E vale para o ICMS (um tributo estadual) a mesma regra existente para os tributos federais: se exportar, não incide o ICMS (por dispositivo constitucional) e, se vender no mercado interno, paga o imposto normalmente. A regra aplicável nas ZPEs está inscrita no Convênio CONFAZ 99/1998.
A desoneração do ICMS das exportações é uma medida saudável que tem como objetivo principal (como fazem os demais países) a redução dos preços externos e, consequentemente, dar maior competitividade aos produtos brasileiros exportados.
d) “Pode haver ‘subsídio cruzado’ – vantagens obtidas na produção externa poderiam ser repassadas para os preços locais”.
Não existem vantagens injustificáveis na produção para a exportação. Apenas, estamos retirando o conteúdo de tributos indiretos dos preços dos produtos exportados, como recomendam as normas e as boas práticas do comércio internacional. Se entendido corretamente, o entrevistado está sugerindo que a empresa em ZPE, por exportar sem tributos (coisa que qualquer empresa, dentro ou fora de ZPE, pode fazer), aproveitaria essa “vantagem” para vender a preços mais baixos no mercado interno.
Isso suscita duas questões: (a) a empresa fora de ZPE não poderia fazer isso também? e (b) vender a preços mais baixos no mercado interno não seria um resultado desejável (asseguradas condições isonômicas), num país às voltas com pressões inflacionárias difíceis de conter?
e) “A ABRAZPE tenta convencer o ministro da Indústria e vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, de que esse subsídio cruzado é uma invenção da CNI”.
A ABRAZPE nunca tentou convencer o Ministro Alckmim dessa bizarrice de “subsídio cruzado”, até porque esse conceito não se aplica ao caso. Além disso, o Ministro é suficientemente inteligente para tirar suas próprias conclusões e tudo o que a ABRAZPE fez, quando recebida em audiência por ele, foi passar-lhe as informações corretas e bem-informadas sobre o programa – coisa que não vinha acontecendo.
A CNI tem seus pecados nessa área de ZPE, mas nunca foi acusada pela ABRAZPE de ter cometido esse comportamento aloprado.
f) “A ABRAZPE tenta emplacar um indicado para a secretaria-executiva do conselho que trata desse programa no governo”.
Essa tática de tentar “queimar” indicações para cargos é bem conhecida na Esplanada dos Ministérios, e segue exatamente este roteiro de procurar indispor eventuais candidatos com a autoridade responsável pela nomeação. A ABRAZPE nunca tratou de cargos com o Ministro Alckmin.
Mas tem conhecimento de que alguns políticos importantes (incluindo ministros, governadores, senadores e deputados, especialmente do Nordeste), conscientes da importância do programa das ZPEs para o desenvolvimento do País e de seus Estados, fizeram a indicação de um nome com sólido conhecimento do assunto e verdadeiramente comprometido com a implementação do programa – diferentemente do que tem sido, historicamente, a prática em todos esses anos.
g) “A ABRAZPE tenta convencer Alckmin de que essas áreas podem funcionar como uma importante ferramenta de reindustrialização”.
Sem a pretensão de “convencer” o ministro Alckmin de nada que ele não já esteja convencido, a ABRAZPE externou, na referida audiência, a sua convicção de que as ZPEs são um dos mais eficientes instrumentos de promoção do desenvolvimento e, em particular, da reindustrialização reclamada por todos.
Do ponto de vista estratégico, a reindustrialização brasileira deve estar ancorada em dois pilares principais: (a) a agregação de valor às nossas commodities (aumentando o potencial de geração de empregos); e (b) o aumento da integração da indústria nas cadeias globais de valor (compensando nosso baixo grau de inserção internacional). Para esses dois objetivos estratégicos, as ZPEs são, comprovadamente, o instrumento mais adequado.
h) “As ZPEs podem atrair estrangeiros que hoje importam insumos do Brasil para vender o produto acabado no exterior muito mais caro. É o caso das commodities (café, milho, soja, madeira, minérios e petróleo)”.
É a agregação de valor às commodities mencionada no item anterior. Nada errado em sermos um grande exportador de commodities. Outros países (EUA, Canadá, Rússia e Austrália), também fazem isso, mas esses países reservam parte significativa dessas matérias primas para processamento e agregação de valor – e, assim, exportam com maior ganho de divisas e gerando empregos no país, o grande desafio com que nos defrontamos, hoje.
Que sejam empresas brasileiras ou estrangeiras importa pouco. O fundamental é atrair investimentos e gerar empregos e divisas. Não parece muito inteligente discriminar as empresas chinesas que queiram vir produzir aqui, obviamente submetidas às leis brasileiras.
i) “Com os incentivos para (as empresas estrangeiras) se instalarem em ZPEs, elas poderiam implantar fábricas aqui para a produção completa no país, gerando empregos.”
Mais um ponto correto destacado pela matéria da Folha. Certamente, será bom para o país que empresas estrangeiras venham processar (e gerar empregos aqui) do que levar as matérias primas para seus países de origem e gerar os empregos lá. Difícil argumentar em contrário.
Considerações finais
Existe um amplo consenso quanto à necessidade da reindustrialização da economia brasileira, como parte de uma política global de desenvolvimento, embora seja menos perceptível qual(is) a(s) estratégia(s) para promover essa reindustrialização. O bom senso sugere que sejam utilizados todos os instrumentos capazes (e compatibilizados entre si) de contribuir para esse objetivo – especialmente, aqueles cuja eficiência foi provada pela experiência. As ZPEs são um desses instrumentos. Há uma abundante literatura mostrando isso. Dois pesquisadores da Universidade de Oxford, UK, chegaram a afirmar, recentemente, que as ZPEs são “one of the dominant economic development interventions of our times”.
No caso brasileiro, as ZPEs constituem uma estratégia de desenvolvimento calcada numa abertura econômica imediata e localizada (em contraposição à estratégia de abertura de livro-texto, generalizada e faseada no tempo), que garantiu o sucesso da fantástica experiência de desenvolvimento dos países do sudeste asiático, especialmente a China. Claro que não é a única estratégia, mas ela é compatível com qualquer outra, e até com a inexistência de uma tal política.
A grande lição do modelo asiático (centrado nas ZPEs e mecanismos similares), é a sua capacidade de proporcionar, a curto prazo, os estímulos de livre mercado em economias altamente protegidas, enquanto não se criam as condições concretas para uma abertura mais ampla – que demanda tempo e intensa negociação política. As ZPEs (e mecanismos similares) foram a solução encontrada por aqueles países para promover a abertura factível, no ritmo e grau permitidos pelo regime político.
Aqui, o desafio é os nossos policy makers pensarem “fora do quadrado” e dos interesses cristalizados por décadas de protecionismo refratário aos sopros da concorrência indutora da eficiência produtiva. Se olhassem atentamente para a experiência dos asiáticos, veriam que existe (provada) uma estratégia que concilia os necessários incentivos de mercado com o regime fechado que mantemos por décadas. São as ZPEs.
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