Tempo de leitura: 15 minutos
Compareceram à inauguração da ZPE Parnaíba e ao IV Fórum Brasileiro de ZPEs, nos dia 14 e 15 de fevereiro, representantes de Zonas de Processamento de Exportação de nada menos que 13 estados brasileiros – Acre, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima e Santa Catarina. Tudo indica que o novo marco legal do setor (Lei nº 14.184/2021) acordou um gigante adormecido…
Projetos que estavam há alguns anos nas gavetas, esperando uma legislação favorável, começaram a sair do papel em vários estados. Até o fim de 2022, pelo menos mais duas ZPEs devem começar a operar, acredita o presidente da Associação Brasileira das ZPEs (Abrazpe), Helson Braga, acrescentando que cinco a seis novas Zonas deverão receber autorização neste ano. E, em 2023, deveremos ter várias novas ZPEs entrando em operação.
Como se diz em linguagem popular, “abriram a porteira”. Enquanto a ZPE Parnaíba já está conversando com mais de 40 empresas de diversos setores muito interessadas em instalar-se em seus 313,5 hectares de área, mais de uma dezena de outras ZPEs – autorizadas ou em processo de autorização – estão se mexendo por todo o Brasil para tornar viável o sonho de multiplicar as exportações e ampliar o desenvolvimento econômico.
Conversamos com representantes de três projetos que estão em diferentes fases de implantação e que participaram do IV Fórum Brasileiro de ZPEs, em Luis Correia. Eles são uma pequena mostra do que virá por aí: o Brasil entrando, pra valer, no mercado mundial das ZPEs.
Ceará (Pecém)
A ZPE Ceará já existe há mais de 8 anos. Com um total de 6.182 hectares de área, instalada no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Região Metropolitana de Fortaleza), é uma ZPE singular: foi a primeira aberta no Brasil (ainda sob a legislação antiga) com uma única empresa “âncora” – a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), primeira usina integrada no Nordeste. Joint venture da Vale com as sul-coreanas Dongkuk e Posco, a CSP, fruto de um investimento de US$ 5,4 bilhões, tem capacidade de produzir 3 milhões de toneladas de placas de aço por ano.
Hoje, a ZPE Ceará tem mais duas empresas instaladas: a White Martins e a Phoenix. Juntamente com a CPS, elas compõem o Setor 1, que possui uma área total de 1.251 hectares. Em quase uma década, as empresas do Setor 1 já movimentaram mais de 64 milhões de toneladas de cargas.
“Temos localização estratégica: nossa Área de Despacho Aduaneiro (ADA) fica a apenas 6 km de distância do Porto do Pecém, a menos de 60 km da capital e a cerca de 56 km do Aeroporto Internacional de Fortaleza”, conta a diretora de Operações da ZPE Ceará, Andréa Freitas.
Agora, a ZPE Ceará está encarando um novo desafio: o desenvolvimento do Setor 2, inaugurado em novembro de 2021, com 1.911 hectares prontos para receber novas empresas já sob o novo marco legal.
“O projeto de expansão da ZPE Ceará tem como grande diferencial a flexibilização, uma vez que os lotes poderão ser divididos em variados tamanhos, proporcionando condições para instalação não apenas de grandes empreendimentos, mas também daqueles relacionados aos projetos de Hidrogênio Verde e de pequenos e médios negócios”, conta Andréa.
Nessa fase inicial do Setor 2, a ZPE Ceará está investindo cerca de R$ 13 milhões na construção da infraestrutura de controle operacional prevista na Lei Federal nº 11.508/2007 (Gates). Isso inclui vias de acesso e secundárias, infraestrutura de transmissão de energia elétrica, abastecimento de água, esgoto e drenagem, iluminação, fibra ótica e circuito fechado de televisão. O Setor 2 conta ainda com quatro balanças para pesagem até 120 toneladas, além de um bloco administrativo com data center e estacionamento externo.
“O Governo do Estado do Ceará, que é o acionista majoritário do Complexo do Pecém, já assinou 15 memorandos de entendimento para a implantação de projetos de Hidrogênio Verde na área da ZPE Ceará, com datas de início de produção variadas”, conta a diretora de Operações.
Um estudo de mercado, realizado junto com o Observatório da Indústria do Sistema Fiec (Federação das Indústrias do Estado do Ceará), identificou outros cinco setores com grande potencial para serem instalados no Setor 2: alimentos; equipamentos de informática e eletrônicos; máquinas e aparelhos elétricos; metalurgia; e minerais não metálicos.
Andréa destaca que o Ceará já possui um amplo potencial para geração de energia renovável, primordial para viabilizar o desenvolvimento do mercado de Hidrogênio Verde:
“Levando em conta a capacidade instalada e o potencial já calculado de novas instalações de fontes renováveis (eólicas ou fotovoltaicas) – além de um grande tesouro do Ceará, que é a combinação entre as fontes solar e eólica, em processo híbrido – temos um ambiente bastante favorável para esses negócios.”
Além disso, lembra Andréa, o Ceará oferece uma série de incentivos tributários para os estabelecimentos autorizados a operar na ZPE, incluindo a isenção de ICMS em algumas operações de saída de bens e mercadorias. “Esses benefícios, somados aos incentivos da legislação federal, oferecem ainda mais competitividade às empresas em Pecém”, acrescenta a diretora.
O Complexo de Pecém – composto pela ZPE Ceará, pelo porto e por uma área industrial – já possui infraestrutura portuária com novos berços de atracação em área de futura ampliação, com capacidade e calado operacionais adequados às operações de Hidrogênio Verde. Além disso, conta com rede elétrica compatível com as demandas das usinas de eletrólise (processo químico para obtenção de Hidrogênio Verde), além de uma ampla rede de distribuição de gás que conecta todo o Complexo.
“Em fevereiro, o governo do estado inaugurou a segunda expansão do Porto do Pecém, com um investimento de R$ 772,8 milhões e novos equipamentos: portão de acesso, ponte para os píeres e um berço de atracação”, conta a diretora Andréa. Somente com os projetos de Hidrogênio Verde, o Governo do Ceará projeta a geração de mais de 5 mil empregos na região.
Imbituba, Santa Catarina
Autorizada desde 1994, a ZPE de Imbituba, em Santa Catarina (que fica a apenas 5 quilômetros da cidade de mesmo nome), era mais uma paralisada pela falta de um marco legal moderno. Desde 94, não faltaram tentativas do governo de Santa Catarina para viabilizar a ZPE, chegando inclusive a fazer investimentos em infraestrutura.
Agora, sob o novo marco legal, a coisa mudou da água para o vinho: o projeto de revitalização da Zona de Processamento de Exportação e de sua infraestrutura já recebe novos investimentos do estado.
“O governador Carlos Moisés (sem partido) está empenhado em fazer a coisa acontecer, com todo apoio das Secretarias Estaduais de Fazenda e de Desenvolvimento Econômico Sustentável. Estamos em fase final de elaboração de certame licitatório para contratação de projetos”, conta Jeferson Machado, presidente da Imbituba Administradora da Zona de Processamento de Exportação (Iazpe).
Imbituba é uma pequena e jovem cidade portuária do Sul de Santa Catarina, com pouco mais de 45 mil habitantes. O município foi criado em 1958, após sua separação da vizinha Laguna. A cidade é conhecida por suas praias, que fazem de Imbituba um dos principais polos de turismo do litoral catarinense. Também recebe competições esportivas nacionais de surfe e windsurfe – em uma de suas praias, a da Vila, ocorrem as maiores ondas do Brasil. “Até o fim do ano, pretendemos começar as obras de execução para, em 2023, a ZPE entrar em operação.”, diz Jeferson.
Localizada às margens da rodovia BR-101, a ZPE de Imbituba conta, em sua primeira fase de implantação, com uma área disponível de 59 hectares, podendo ser ampliada até 200 hectares. As oportunidades locais são inúmeras e já atraíram a atenção de duas grandes empresas catarinenses, a Mormaii (roupas, acessórios e equipamentos esportivos) e a Intelbras (equipamentos de telecomunicações), ambas com suas sedes próximas a Imbituba.
“Santa Catarina apresenta vários negócios com vocação para a exportação. Temos muita indústria têxtil e de cerâmica e a capital, Florianópolis (a menos de 100 quilômetros e Imbituba), é um polo de Tecnologia da Informação (TI). Depois do marco legal, a procura das empresas por informações da ZPE cresceu muito. Já fizemos alguns eventos grandes de divulgação, inclusive dentro do porto de Imbituba”, conta Jeferson.
Além de Imbituba, o governo de Santa Catarina tem planos para mais duas ZPEs: a de Lages (no Centro-Sul do estado, a 270 quilômetros de Florianópolis) e a de Dionísio Cerqueira (no extremo Oeste de Santa Catarina, na fronteira com a Argentina). “Porém, no momento, todo o foco do estado está na ZPE de Imbituba, que, com certeza, nós vamos inaugurar em 2023, já com muitas empresas participando!”, assegura Jeferson.
Itaqui, São Luís (MA)
Dentro da área do porto de mesmo nome, em São Luís, a ZPE de Itaqui foi uma das primeiras do Brasil a ser autorizada: seu decreto de criação foi assinado em 1988. Porém, a autorização caducou, após várias tentativas de viabilizar o projeto. Agora, num esforço conjunto da Federação das Indústrias do Estado do Maranhão (Fiema), do governo maranhense e do Porto de Itaqui (que é uma subsidiária estadual), em parceria ainda com as universidades federal e estadual, a ZPE maranhense está dando passos concretos para obter nova autorização e ser inaugurada em 2023.
Pedro Dantas da Rocha Neto é ex-secretário estadual de Indústria, Comércio e Turismo do Maranhão e presidente da ZPE de Itaqui desde sua criação. Ele conta que, apesar do insucesso, o Maranhão foi pioneiro entre as ZPEs brasileiras:
“Na época, quando ainda se chamava ZPE de São Luís, havia o desafio de se criar a primeira Zona de Processamento de Exportação do Brasil no Maranhão. Mas tivemos muitas dificuldades internas e trocas de governo – que é uma questão muito séria, porque um dos fatores que contribuem para o êxito de uma ZPE é a convergência política. Mesmo que o governo não atue como gestor, ele precisa dar o pontapé inicial. Isso aconteceu, mas naquele tempo não tínhamos nenhuma experiência.”
Para superar a falta de experiência, a ZPE enviou um técnico, que era engenheiro e arquiteto, para fazer um workshop em Shannon, na Irlanda. “Foi para lá que a China também mandou um técnico e, quando ele voltou e mostrou o que aprendeu, Deng Xiaoping (líder supremo da China comunista após a morte de Mao Tsé-Tung) decidiu criar as ZPEs no país, que hoje tem mais de 2,5 mil Zonas de Processamento de Exportação”, conta Pedro.
O executivo lembra que a ZPE chegou a ter prontos os projetos de alfandegamento e de implantação e também o plano diretor. No caso da questão fundiária, uma das mais importantes para instalar uma Zona de Processamento de Exportação, Pedro conta que havia uma perspectiva promissora:
“A área da ZPE – que fica praticamente dentro do porto, a apenas 2 quilômetros de distância – tinha um proprietário, que era detentor de um título autêntico de sesmaria. Ele se propunha a entrar com o terreno, capitalizando a administradora. Para o governo, foi maravilhoso, pois não precisaria desapropriar área nenhuma, nem investir em nada. O dono entrava com a área e se transformava em controlador da empresa, que é de economia mista.”
O problema é que, quando aconteceu, já estava no fim do governo. E, como acionista majoritário, era o governo estadual que tinha que convocar uma assembleia geral dos acionistas para fazer essa alteração de capital e passar o controle para a iniciativa privada.
“Era 2008 e já estava tudo resolvido, precisava apenas que o governo aportasse um pouco de dinheiro na estrutura de capital. O prazo para implantar a ZPE estava se esgotando, era preciso fazer aquilo acontecer rápido, mas a então governadora Roseana Sarney, em final de mandato, não conseguiu realizar a chamada de capital. O prazo esgotou e a ZPE caducou. Morremos na praia, mas agora vamos ressuscitar o projeto.”
Hoje, há uma nova visão. Pedro recebeu da Fiema a encomenda de fazer um estudo de pré-viabilidade da ZPE. “Já concluí e entreguei, e isso reacendeu as luzes sobre nossa ZPE, principalmente após a mudança radical do marco legal. E é uma iniciativa em parceria com as universidades federal e estadual, com acordos de intenções para trocar de experiências e informações em ciência e tecnloogia. Por exemplo, toda a cartografia da área da ZPE foi feita com apoio do sistema de geoprocessamento da universidade estadual.”
Pedro revela que seu estudo de pré-viabilidade apontou que a ZPE é extremamente viável: “Minha opinião pessoal é de que uma ZPE localizada próxima ao litoral do Maranhão, perto de São Luís e junto ao porto, pode ser a mais viável do nosso país. Porque o Maranhão é uma das grandes fronteiras do agronegócio brasileiro. No Sul do estado, vem pelas rodovias (que são muito boas) toda a produção de grãos do Norte e do Centro-Oeste. O estado tem também duas ferrovias, uma no sentido Nordeste e outra que vem do Sul, a Ferrovia Carajás. Essa infraestrutura já existe, é um ponto muito positivo.”
O presidente da ZPE de Itaqui destaca também o papel do porto, um dos mais relevantes do Norte-Nordeste. “O complexo portuário de Itaqui, que é exportador de minério pelos terminais privados da Vale, também tem um porto comercial que é muito importante, não só na parte de petróleo e derivados, mas também porque possui um terminal de grãos que é um dos mais bem aparelhados do país. Toda a produção que é feita no sul do Piauí e do Maranhão escoa através de Itaqui, sem processamento, in natura. O Maranhão é o maior exportador de minério de ferro e um dos maiores de grãos. Nós precisamos transformar isso: começar a agregar valor a tudo isso que passa em nossa porta, e que hoje a gente não faz absolutamente nada.”
Além de milho e soja, o Maranhão também tem uma produção agrícola expressiva que pode se beneficiar da ZPE. “No intervalo das safras de grãos e milho, temos as safrinhas de feijão e de culturas intermediárias, como abacaxi, acerola e outras frutas. A potencialidade é muito grande”, destaca Pedro.
Além do agronegócio, a Ilha de São Luís conta com um dos maiores complexos de produção de alumínio e alumina do país, que são exportados em lingotes, sobretudo para Estados Unidos, Europa e Japão. “A Alumar, responsável por essa produção de alumínio e alumina, pode jogar essa operação na ZPE. É uma grande oportunidade para eles! Porque já estão estabelecidos lá e a nova lei permite que uma empresa possa ficar fora do perímetro alfandegado da ZPE, desde que fique dentro do raio de 30 quilômetros”, avalia Pedro.
Em meio a tantas possibilidades, o executivo tem um grande desafio: conseguir renovar a autorização da ZPE. “Temos vários caminhos”, explica. “Um deles é reabilitar a parte formal, que já tem o administrador formado, que é uma empresa chamada Azpema, de economia mista, da qual ainda sou o presidente. Existe também todo um processo de aprovação dentro do Conselho Nacional das ZPE. Acredito que consigamos a autorização nova ainda este ano. Conta a nosso favor a mudança de mentalidade e de postura do governo federal, que antes era muito frio em relação às ZPEs. É preciso, sobretudo, vontade política para fazer, e acho que agora temos. Além disso, o empresariado e a academia estão conosco. Estou muito confiante!”
Os comentários foram encerrados, mas trackbacks e pingbacks estão abertos.