Tempo de leitura: 6 minutos
Na década de 70, ocorreram dois significativos choques de petróleo, que mudaram a economia mundial. Em 1973, o Brasil produzia apenas um quinto da demanda interna de petróleo e, em 1979, foi atropelado pelo segundo aumento de preço da commodity, da ordem de 200%, acrescido do aumento brutal das taxas de juros internacionais. Respondemos com políticas econômicas equivocadas (depois corrigidas, a custo de enormes sacrifícios) que parecem se repetir agora.
Ao deixar a cotação do dólar subir no início da crise da pandemia da Covid-19, desgarrando de patamares equilibrados (em termos de contas externas) e de uma polpuda soma de reservas internacionais, o Banco Central cometeu um erro primário que nenhum outro país no mundo deixou ocorrer. A partir daí, Brasília vem errando seguidamente. A distorção está afetando fortemente os preços, e a indexação nos diversos preços de produtos internos vem ocorrendo, gerando uma onda de inflação inercial. O dólar cotado a R$ 5,55, subiu 52,6% desde a eleição no 2ºturno, 28/10/18. O repasse da variação cambial para os preços ao consumidor é muito volátil, mas oscila em torno de 25% a 30%. O risco é ultrapassar esse limite. É hora de corrigir esse equívoco, antes que o “monstro inflacionário” venha a nos assombrar de novo.
O preço internacional do petróleo recuperou o valor de US$ 85,14/bbl registrado na semana de 05/10/2018, dia do 1º turno da eleição e o dólar (US$) de R$ 3,6368 no primeiro dia após o 2° turno da eleição em 2018, na qual o atual presidente se elegeu. Vale a pena lembrar que ocorreram dois picos anteriores, em julho de 2008, de US$141,07/bbl, e no período de março de 2012 a julho de 2014, de US$126,62/bbl. Assim, pode-se afirmar que, hoje, não há nada de anormal e diferente do que ocorreu com o petróleo, no período entre 2008 e 2014. A queda do preço de petróleo, no final de 2014, foi devido à enorme produção de petróleo originário do “shale oil”, que elevou na ocasião a produção americana em 5 milhões de barris diários, e depois para a marca de 9,2 milhões, em fins de 2019.
Agora, no final de 2021, com o clima temperado no Hemisfério Norte, o inverno é mais rigoroso, gerando elevação sazonal do preço do óleo cru, dada a demanda adicional por aquecimento, e ainda o problema de descoordenação global do setor de logística e transporte. Este cenário perdurará até março de 2022 (quando o frio vai embora), com a oferta escassa de gás na Europa.
Todos esses fatores colocam um prêmio de risco no combustível fóssil, repetindo o quadro do final do século passado com o conflito no Golfo Pérsico, e ainda com o agravante do retorno de números elevados de contaminação pela Covid-19 na Europa, Ásia e Rússia, que levou a Holanda a entrar para um “lock-down” generalizado. Estes são os fatores precedentes que ajudam a explicar a elevação do custo marginal de operação na entrega de petróleo e seus derivados, gás natural e GNL.
Temos ainda, nesse contexto, o concurso de combustíveis alternativos (álcool, principalmente) e a onda disruptiva da energia elétrica substituindo crescentemente a frota de automóveis e caminhões movidos a combustão interna pelos impulsionados a energia elétrica. Além de mitigar o complexo poluidor, esta tendência tem-se tornado economicamente vantajosa com a enorme redução de custos ocorrida no novo milênio, especialmente nos últimos dez anos.
Para o Brasil, é fundamental implantar uma agenda coerente e articulada, para entender, enfrentar e ajustar/reorganizar o mercado de petróleo e seus derivados. Podemos sintetizar essa agenda com as seguintes metas:
1 – Entender como os preços de derivados são formados/gerados internamente.
2 – Especificar como se comporta a demanda de derivados frente à estrutura de preços, de renda e preços de bens substitutos, bem como o consumo defasado. (Ver a Tese “Demanda de Derivados de Petróleo”, de Manuel Caldas, defendida e publicada em setembro de 1988, na EPGE-FGV).
3 – Examinar como a oferta dos produtos é suprida pela Petrobras e demais importadores.
4- Redefinir a atuação de líder dominante da Petrobras no oligopólio interno, considerando a sua natureza de empresa com controle estatal.
5 – Aprofundar a hipótese de realização de leilões de petróleo e derivados, para diluir o poder de líder (de mercado).
6 – Determinar fórmula de preços internados de petróleo, considerando o diferencial entre o custo de internação local e o preço que serve como referência internacional – ou seja, a praça onde o petróleo é mais negociado, que não necessariamentoe coincide local da maior oferta disponibilizada pela OPEP, países árabes, Golfo Americano e Rússia.
7 – Diversificar a estrutura de controladores das refinarias e gasodutos, importando metodologia já utilizada no setor de energia elétrica, onde se define uma receita de transmissão para o transporte da energia (Receita Anual Permitida – RAP).
8- Estudar a possibilidade de construção de novas refinarias, utilizando as vantagens da Lei 14.184/2021, recentemente publicada, que aprovou o novo marco legal das Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs). Esse mecanismo é usado por vários países (inclusive Estados Unidos e China), por ser especialmente indicado para a implantação de projetos de grande porte.
9 – Analisar as unidades de coqueamento retardado(UCR) nas refinarias, e verificar se a produtividade/complexidade/rentabilidade das refinarias brasileiras aumentou mediante o cálculo do “Índice Nelson de Complexidade – NCI” (Wilbur L Nelson, 2019), o mais antigo e tradicional na indústria de petróleo. Seu objetivo é permitir uma visão da complexidade da refinaria, do seu custo de reposição e do impacto da adição de novas unidades, viabilizando a comparação entre grupos de refinarias e diferentes esquemas de refino.
10 – Implantar um “mercado futuro de derivados” em reais, organizando sistemática de leilões com entrega de derivados nos principais portos de importação.
Esta agenda pode ser implementada independentemente de aprovação do Legislativo, e conduz ao entendimento final dos dramas sofridos pelos ofertantes e demandantes do mercado de energia fóssil.
Preços internacionais são feitos para equilibrar mercados de bens escassos, basta saber utilizá-los corretamente e não condenar os seus efeitos. Caso contrário, o futuro poderá ser trágico. Mas o país tem tudo para se beneficiar do mundo verde, e a Petrobras pode ajudar muito no desenho e construção de uma política consistente para o setor, em linha com os novos tempos.
Manuel Jeremias Leite Caldas é engenheiro/IME e doutor em Economia/FGV
Os comentários foram encerrados, mas trackbacks e pingbacks estão abertos.