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Como se sabe, a Lei 14.184/2021 – que moderniza o marco legal das Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) – foi sancionada pelo Presidente da República com o veto à inclusão de serviços entre as atividades beneficiárias do regime (na regra atual, apenas empresas industriais podem se instalar nas ZPEs brasileiras, como no modelo antigo dos anos 70 do século passado). Com isso, apesar do enorme avanço alcançado com a nova lei, ainda permanecemos com uma defasagem expressiva em relação aos modelos utilizados por outros países, cujo diferencial mais importante é exatamente a inclusão de serviços.
A recomendação do veto foi baseada na hipótese de que haveria perda de receita, argumento este que não se sustenta, como ficou evidenciado nas discussões sobre a matéria no Congresso Nacional. E isso, por uma razão elementar: os serviços serão exclusivamente exportados (não poderão ser fornecidos no mercado interno, como no caso das mercadorias), e a exportação é desonerada de tributos, tanto pelas regras internacionais como pela Constituição Federal. E tanto faz a empresa estar localizada dentro ou fora de ZPE.
No entanto, diante do argumento (ainda que equivocado) de perda de receita, e para evitar eventual questionamento que pudesse caracterizar crime de responsabilidade do Presidente da República, foi acordado, entre representantes do Legislativo e do Executivo, que a inclusão de serviços seria vetada, mas o Governo encaminharia voto favorável à derrubada do veto, quando este viesse a ser apreciado pelo Congresso Nacional. Este compromisso foi reiterado recentemente pelos representantes do Executivo.
Convém ter presente que as ZPEs são uma das mais bem-sucedidas experiências do mundo para promover o desenvolvimento econômico (especialmente, com a agregação de atividades além da tradicional manufatura de mercadorias), na medida em que favorecem alguns dos principais objetivos da política econômica, tais como estimular o investimento (nacional e estrangeiro), criar empregos, aumentar e diversificar as exportações (de mercadorias e serviços), difundir novas tecnologias e promover o desenvolvimento regional.
Segundo o World Investment Report 2019, publicado pelas Nações Unidas, existem atualmente mais de 5.000 “Zonas Econômicas Especiais” (como são, genericamente, conhecidas as ZPEs), espalhadas por cerca de 150 países, entre os quais a China (tem quase a metade dessas zonas), Filipinas (528), Índia (373), Estados Unidos (262) e Rússia (130). Nem todas foram exitosas, e isso, quase sempre, devido à precariedade da infraestrutura econômica, à burocracia excessiva, à instabilidade social e política e, sobretudo, à má qualidade do marco legal.
As ZPEs foram criadas no Brasil no final dos anos 80, mas não reproduziram aqui o mesmo sucesso observado no resto do mundo – e isso se deveu, essencialmente, ao caráter restritivo e anacrônico de nossa legislação (quando comparada às utilizadas por outros países) e à resistência de setores protecionistas, refratários a medidas favoráveis à criação de um 2 ambiente mais competitivo em nossa economia, obstáculos estes que estão sendo agora superados.
O projeto de lei convertido na Lei 14.184/2021 foi longamente discutido e negociado com as áreas técnicas do Governo e com os representantes do setor produtivo, em quase uma década de tramitação no Congresso Nacional. Representa, portanto, um consenso que concilia a necessidade de modernização da legislação das ZPEs com a indispensável compatibilidade com o nosso ordenamento jurídico, com o conjunto da política econômica e com as normas internacionais.
Ficou demonstrado que, na modelagem adotada pela Lei 14.184/2021, as ZPEs (a) não dependem de recursos do Governo Federal, uma vez que são financiadas predominantemente pelo setor privado (com algum envolvimento minoritário dos Estados); (b) não acarretam perda nem renúncia fiscal, uma vez que as exportações já são constitucionalmente isentas de tributos e as vendas internas, quando permitidas, são tributadas normalmente; (c) não introduzem competição desleal com o restante da indústria, nem, particularmente, com a Zona Franca de Manaus, na medida em que as parcelas vendidas no mercado interno pagarão (integralmente) todos os tributos incidentes sobre as importações normais, além dos tributos suspensos, acrescidos de juros e multa de mora.
A proteção à indústria nacional ainda é reforçada por uma espécie de “cláusula de salvaguarda”, pela qual o CZPE (órgão do Ministério da Economia, responsável pela supervisão do programa) poderá vedar ou limitar as vendas no mercado interno, em caso de prejuízo às empresas nacionais causado por aquelas vendas. Ou seja, as empresas em ZPE serão tratadas com mais rigor do que as importações – que, vale lembrar, criam empregos lá fora, enquanto as ZPEs geram empregos dentro do País.
Tudo isso levado em conta, pode-se afirmar, com segurança, que não existem argumentos consistentes, conceitual e operacionalmente, para justificar o veto em apreciação, até porque o texto final da Lei 14.184/2021 foi elaborado pela própria Secretaria Especial da Receita Federal e acatado pelos demais setores envolvidos.
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